sexta-feira, 18 de abril de 2008

Será que a sorte virá num realejo?
Trazendo o pão da manhã
A faca e o queijo
Ou talvez...

Eu aqui no quarto escuro quando tudo lá fora parece ser luz, ser movimento. A porta me chama pra fora, mas eu olho e penso que ela está me trancando. E eu sei dessas coisas, mas não consigo me levantar da cama. Eu acho que ainda são seis e meia mas já passou das três da tarde. O tempo vai passando e eu ainda acho que é cedo. E quando eu vejo todos pegando sol na praia, eu ainda acho que é madrugada. Eu gosto de viver, gosto de ver a vida prosseguindo, as coisas acontecendo. E as coisas sempre prosseguem, sempre tem alguma coisa pra acontecer, mas quando eu tenho que falar alguma coisa, eu apenas sorrio. Sorrir é bom, mas não um sorriso vago, um sorriso de quem não tem nada pra fazer. Hoje eu abri a janela, e foi legal. Eu vi, lá embaixo as pessoas andando, cumprindo suas rotinas, vi que parecia ser legal e quis fazer parte daquilo tudo, da engrenagem do mundo. Eu sei que eu posso e preciso, mas alguma coisa não me deixa fazê-lo. Enquanto isso eu vejo a vida passar na televisão, esperando que a sorte venha num realejo...

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Tombos e lanternas


Hoje eu não vivo só... em paz
Hoje eu vivo em paz sozinho
Muitos passarão
Outros tantos passarinho
Muitos passarão

Acordamos de manhã, querendo queijo, beijo, o frio azulejo. A vida, o dia, começa na ponta dos nossos dedos, nossas línguas, nossos pêlos. O que os olhos não vêem, o coração não sente, então preferimos fechar os olhos pra tudo que é escuro. Nos deixamos guiar pela luminosidade. E é estranho. Andar no claro é andar na corda bamba. E em poucos segundos nos vemos na ponte do rio que cai, a ponte clara e todo o resto, negro. As pancadas do obscuro tentando nos derrubar, nos levar pra um lugar que não gostamos de frequentar. E por mais que a gente tente andar na luz, são tantos dedos nos apontando, tanta coisa acontecendo "lá fora" que a gente cede. E a gente despenca, caí de testa na REALIDADE. Hoje eu decidi que vou fazer diferente. Ao invés de fugir do que é negro, vou ligar minha lanterninha. Em terra de cego, quem tem olho é rei e, na escuridão, um feixe de lanterna é holofote. Hoje uma lanterna, quem sabe amanhã um jogo de luz?

sábado, 5 de abril de 2008

...

Vamos celebrar
A estupidez humana
A estupidez de todas as nações
O meu país e sua corja
De assassinos
Covardes, estupradores
E ladrões...

Vamos celebrar
A estupidez do povo
Nossa polícia e televisão
Vamos celebrar nosso governo
E nosso estado que não é nação...

Celebrar a juventude sem escolas
As crianças mortas
Celebrar nossa desunião...

Vamos celebrar Eros e Tanatos
Persephone e Hades
Vamos celebrar nossa tristeza
Vamos celebrar nossa vaidade...

Vamos comemorar como idiotas
A cada fevereiro e feriado
Todos os mortos nas estradas
Os mortos por falta
De hospitais...

Vamos celebrar nossa justiça
A ganância e a difamação
Vamos celebrar os preconceitos
O voto dos analfabetos
Comemorar a água podre
E todos os impostos
Queimadas, mentiras
E seqüestros...

Nosso castelo
De cartas marcadas
O trabalho escravo
Nosso pequeno universo
Toda a hipocrisia
E toda a afetação
Todo roubo e toda indiferença
Vamos celebrar epidemias
É a festa da torcida campeã...

Vamos celebrar a fome
Não ter a quem ouvir
Não se ter a quem amar
Vamos alimentar o que é maldade
Vamos machucar o coração...

Vamos celebrar nossa bandeira
Nosso passado
De absurdos gloriosos
Tudo que é gratuito e feio
Tudo o que é normal
Vamos cantar juntos
O hino nacional
A lágrima é verdadeira
Vamos celebrar nossa saudade
Comemorar a nossa solidão...

Vamos festejar a inveja
A intolerância
A incompreensão
Vamos festejar a violência
E esquecer a nossa gente
Que trabalhou honestamente
A vida inteira
E agora não tem mais
Direito a nada...

Vamos celebrar a aberração
De toda a nossa falta
De bom senso
Nosso descaso por educação
Vamos celebrar o horror
De tudo isto
Com festa, velório e caixão
Tá tudo morto e enterrado agora
Já que também podemos celebrar
A estupidez de quem cantou
Essa canção...

Venha!
Meu coração está com pressa
Quando a esperança está dispersa
Só a verdade me liberta
Chega de maldade e ilusão
Venha!
O amor tem sempre a porta aberta
E vem chegando a primavera
Nosso futuro recomeça
Venha!
Que o que vem é Perfeição!..

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Quatro quartos de fumaça


Ascende-se o esqueiro e então somos concebidos.
E desde o primeiro sinal de fumaça
A única certeza que se pode ter é que aquela braza se apagará
Então nossos pais começam a tragar
E planejam nossa primeira escolinha, nossa cor favorita, nosso time
E eles tem todo um futuro para nós
E no início é simples, a vida vai queimando perfeitamente como eles planejaram.
Acaba o primeiro quarto de entorpecência
E tudo que planejaram agora é fumaça
*
Agora o vento sopra pela janela
E ninguém mais sabe pra onde vai toda essa fumaça
Começamos a nos envolver
E a cada dia que passa, mais pessoas passam a tragar
A fumaça agora incomoda alguns
E agrada excessivamente a outros
A partir de aqui passa-se a sentir o sabor do fumo
Mas isso acontece junto ao fim do segundo quarto
*
O terceiro quarto talvez seja o melhor
É nele que as sensações parecem ser mais perceptíveis
A tontura e a excitação se confundem
E no meio da confusão
A náusea se descobre presente
As vezes euforia
As vezes vômito
Um misto de sensações
Um misto de reações
Um misto, enfim, de pessoas que sentiram essa fumaça sufocar
E daquelas que não tiveram essa chance
E o fim do terceiro quarto
*
O quarto e último quarto é o mais estranho
Já se sentiu tudo o que era possível
Agora toda aquela fumaça são só lembranças
E as tragadas são cada vez mais quentes
Mais envolventes
Ascendem-se outros cigarros com a sua braza
E, ao menos que alguem o tenha jogado numa poça d'água
É aqui que o cigarro se apaga